terça-feira, 18 de outubro de 2011

Livros em série



Séries de TV, assim como os livros, são uma das minhas paixões. Provavelmente porque o roteiro e o desenvolvimento dos personagens costumam ser de grande importância num episódio de seriado. Já no cinema, na maioria das vezes, isso fica mais disperso ou em segundo plano. Não que eu também não adore (bons) filmes, acho que entendem o que quero dizer. Além do que, atualmente, as produções de TV andam se destacando, devido a liberdade criativa e ousadia. Já que os estúdios de cinema parecem mais interessados em quantidade do que qualidade e se mantêm numa zona de conforto.

Há muitas séries inspiradas em livros, outras que inspiraram livros e ainda aquelas - mais raras - que, de uma forma ou de outra, giram em torno de livros. Hoje selecionei algumas da primeira categoria, ou seja, aquelas que tiveram sua origem, direta ou indiretamente, na literatura. E assim como os livros, têm séries para todos os gostos. Vamos a elas.


FRIDAY NIGHT LIGHTS


"Clear eyes, full hearts, can't lose!"

Friday Night Lights é uma das minhas séries preferidas da vida, e olha que já assisti/assisto a várias. Mas antes da série veio o filme e antes do filme, o livro. Tendo como subtítulo "A Town, a Team and a Dream", o livro do jornalista esportivo H. G. Bissinger tem narrativa factual e se encarrega de relatar a história real dos Panthers, um time de futebol americano de um colégio no interior do Texas. O livro foi lançado em 1990 e em 2004 virou filme. A série veio em 2006, com personagens e situações diferentes das do filme e com uma veia mais dramática, focando nas pessoas, mas tendo sempre o esporte como pano de fundo.

O que posso dizer é que poucas produções conseguiram contar histórias com tanta realidade e proximidade. Muito fácil se identificar com os personagens e se envolver com seus dilemas. Se você não gosta e/ou não entende de futebol americano, não tem problema, a série é muito mais que isso. Eu mesma achava esse esporte uma incógnita desinteressante e, no entanto, isso não me impediu de vibrar com as cenas de jogos e muito menos de me emocionar por e com aqueles habitantes da pequena Dillon, a cidade fictícia onde se passa o seriado. Eu me sentia em casa assistindo a Friday Night Lights. Digo mais, depois que se aprende um pouco mais sobre football, ele se torna bem interessante. E, vendo a série, você também começa a entender toda essa paixão que os americanos têm pelo esporte e sua forte presença na cultura daquele país.

Há boatos de que um novo filme está por vir, dessa vez inspirado na série (que se encerrou no começo desse ano) e com foco no casal Eric e Tami Taylor, respectivamente um técnico de futebol americano e uma orientadora/diretora de escola, e, sem dúvidas, a alma e os destaques do seriado, além de serem um dos melhores, mais adoráveis e mais críveis casais que já conheci no mundo da ficção.

A propósito, a série foi a campeã de melhor roteiro e de melhor ator de série dramática (Kyle Chandler por dar vida a Eric Taylor) do último Emmy, reconhecimento tardio, mas superválido. Como diria coach Taylor: “Olhos atentos, corações plenos, não se pode perder”. Ou em bom inglês: “Clear eyes, full hearts, can’t lose”.


JUSTIFIED


"Você puxa o gatilho e sua vida vai mudar. E não para melhor"

O protagonista da série, o agente federal, meio caubói, Raylan Givens, é um personagem de Elmore Leonard (também produtor da série), presente em alguns de seus livros e contos. A série incorpora esse clima de faroeste moderno e mistério policial criado por Leonard, assim como todo o pano de fundo para a construção do personagem principal e de sua trajetória. De poucas palavras, cético e com pinta de justiceiro, Givens tenta combater o crime na sua cidade natal enquanto lida com seus próprios fantasmas. Em princípio parece mais um seriado policial qualquer, um procedural que segue sempre a mesma fórmula, mas logo se ver que tem muito mais a oferecer. A segunda temporada, por exemplo, figura como uma das melhores coisas da TV desse ano. E a terceira temporada estréia nos EUA em 2012.



SECRET DIARY OF A CALL GIRL


Começou como um blog, depois vieram três livros e, por fim, uma série baseada na vida de uma garota de programa britânica, conhecida como Belle de Jour (hoje em dia uma pesquisadora com dois doutorados). A série teve quatro temporadas de um tom leve e divertido, mas sem nos poupar dos pormenores da profissão.


SEX AND THE CITY

Foram seis temporadas e dois filmes (até agora) sobre a vida das amigas Carrie, Charlotte, Samantha e Miranda, retratando o universo feminino numa grande cidade (no caso, Nova York), mas tudo começou com o livro de Candace Bushnell de mesmo nome.


SHERLOCK


"Não sou um psicopata. Sou um autista sociopata. É diferente, eu pesquisei"

Como um dos personagens mais icônicos da literatura mundial, Sherlock Homes já ganhou diversas versões, mas a proposta dessa série inglesa (da BBC) é trazê-lo para os dias atuais, e essa roupagem contemporânea dá o tom da produção, mas sem deixar de lado a essência do detetive de Arthur Conan Doyle. Comandada por Steven Moffat (roteirista e produtor responsável atualmente também pela clássica Doctor Who), a minissérie fez bonito nos três episódios de sua temporada inicial (em 2010). A próxima temporada, infelizmente, só deve vir ano que vem.


PRIDE AND PREJUDICE


“Onde há uma superioridade de mente, o orgulho será normal sempre”
Mais um clássico britânico que a BBC se encarregou de levar pra telinha. Pretendo falar mais de Orgulho e Preconceito, o livro, a série e o filme, num post especial dedicado apenas a essa obra, que vem a ser um dos meus livros preferidos. Por hora basta dizer que a minissérie de 1995 em seus seis episódios foi fiel ao livro e fez uma adaptação adorável, além de ter acertado em cheio ao escalar Colin Firth pra viver Mr. Darcy.

A BBC também produziu minisséries de outros livros de Jane Austen, como Emma, mas ainda não cheguei a vê-las.


TRUE BLOOD

Inspirada nos livros As Crônicas de Sookie Stahouse, de Charlaine Harris, True Blood se passa numa cidadezinha do sul dos EUA e fala da co-existência entre humanos e vampiros quando os últimos resolvem sair do caixão e têm que lutar para serem aceitos. Eu só li o primeiro livro e não me instigou a continuar a leitura dos demais, mas as duas primeiras temporadas da série são boas, especialmente a segunda, já as duas mais recentes (a série acaba de encerrar sua quarta temporada) deixam muito a desejar.


DEXTER

Livros escritos por Jeff Lindsay sobre um psicopata que mata criminosos. O seriado já está na sua sexta temporada e, apesar da última ter sido lamentável, já foi uma das melhores e mais originais produções da televisão e ainda há esperança que Dexter volte a ser aquela série matadora (desculpe o trocadilho) que nos conquistou.


GAME OF THRONES

"Quando se joga o jogo dos tronos, você vence ou você morre"

Tida como a melhor fantasia da atualidade, As Crônicas de Gelo e Fogo já está no seu quinto livro (serão sete no total e três já foram lançados no Brasil: Guerra dos Tronos, A Fúria dos Reis e A Tormenta de Espadas). A fama dos livros chegou antes, mas vi primeiro a série e só depois me embrenhei nas milhares de páginas dos dois primeiros volumes. Não é fácil memorizar o nome dos diversos personagens e suas ligações, famílias, vassalos, reinos e afins, mas quando se penetra nesse mundo criado por George R. R. Martin, é difícil sair. O que chama atenção na saga são seus temas, como intrigas políticas e jogos de poder, tudo numa linguagem mais adulta que ousa abordar assuntos mais delicados como incesto e prostituição. Só mesmo a HBO para conseguir adaptar os livros com a produção e a liberdade que merecem. A série estreou esse ano e consagrou-se como sucesso de público e crítica, garantido logo sua segunda temporada, prevista para abril de 2012.


Obs: Há muitas outras séries que ficaram de fora, inclusive nacionais (Os Maias, Capitu...), mas optei por restringi minha seleção às séries americanas e inglesas e, mais ainda, restringi também àquelas que já assisti e/ou li os livros que lhe deram origem e, principalmente, que julgo que devem ser vista e/ou lidas. Ficam as dicas.

domingo, 25 de setembro de 2011

Variações sobre o prazer, de Rubem Alves



“Albert Camus sonhava com o momento em que ele escrevesse com liberdade total, na orgia anárquica do corpo: “Quando tudo estiver acabado: escrever sem preocupação de ordem. Tudo o que me passar pela cabeça.” Ele não teve essa chance. Morreu antes. Eu estou tendo.”

Dizem que Rubem Alves é filósofo, psicanalista, pedagogo, escritor, mas, antes de tudo isso ele é um educador que provavelmente já nasceu com o dom de ensinar. Em poucas e compreensíveis palavras, explica e explora conceitos, os complicados conceitos, seja escrevendo ou falando, afinal, ambas não passam de uma agradável conversa.

Variações sobre o prazer [Santo Agostinho, Nietzsche, Marx e Babette] é o último lançamento de Rubem Alves, o cara que, como ele mesmo gosta de brincar, Deus já tentou levar daqui algumas vezes, mas resistiu bravamente porque gosta – e muito – da vida. E o que mais poderíamos esperar de um leitor apaixonado de Nietzsche? É a verdadeira personificação do “sim a vida”. A obra, como denuncia o título, é um passeio pelo prazer que a filosofia, a política e a comida podem nos dar.

Com uma rica referência de cinema, música e literatura sendo sugerida durante o livro, Variações Sobre o Prazer é, novamente, uma crítica aos eruditos, ao nosso modelo de educação, ao que a maioria das pessoas entende por ciência, conhecimento e sabedoria. É o amor que Rubem Alves não cansa de declarar à vida, sobretudo, à natureza.

Como quando recebe um microfone na mão, Rubem Alves escreve abrindo parênteses para tudo, inserindo longos comentários que mudam o foco, nos levam para longe e, de repente, como se perguntasse “do que é que eu estava falando mesmo?”, ele nos traz de volta a conversa inicial. É assim que faz a interação prazerosa entre teologia, sabedoria de vida, sabedoria conceitual, sabores, corpo, alma, mente, filosofia, economia, culinária, estética.

Variações sobre o prazer é uma conversa que só tem a nos acrescentar, até mesmo a você que jura que já viu e sabe tudo sobre o mundo. Diferentemente dos que vomitam conhecimentos, Rubem Alves nos leva a refleti-los e admirá-los.

“Tornei-me inimigo dos sonhadores ingênuos que pensavam que bastaria que os homens mudassem suas ideias para que o mundo também mudasse. Moquecas não se fazem só com ideias e intenções. Quem quer mudar o mundo tem de ser um especialista no uso do fogo. Na história, esse uso do fogo tem o nome de política...”

domingo, 18 de setembro de 2011

Lançamento: "Acaba Não, Mundo"


Literatura Coletiva

“ACABA NÃO, MUNDO e outras do www.cronicadodia.com.br”, celebra a longevidade do site na internet e reúne autores para lançamento em Belo Horizonte.

Manter um projeto vivo por treze anos num terreno tão efêmero quanto a internet é uma façanha. E, quando acontece, precisa ser comemorada. Nada mais oportuno, então, que comemorar publicando um livro, já que estamos falando de um projeto de difusão literária, idealizado pelo professor e escritor Eduardo Loureiro Jr.
Trata-se do Crônica do Dia (www.cronicadodia.com.br), site que, como sugere o nome, publica diariamente textos dos novos cronistas do Brasil sob o olhar atento de mais de quinhentos leitores diários.
Estes leitores, agora, poderão ter o Crônica do Dia em suas cabeceiras, graças a uma antologia, organizada por Eduardo Loureiro Jr., reunindo textos de trinta autores que já contribuíram com o site. “ACABA NÃO, MUNDO e outras do www.cronicadodia.com.br”, como foi batizada a obra, será lançada em algumas capitais brasileiras, começando por Belo Horizonte.
O objetivo de lançar o livro em várias cidades é o de possibilitar o encontro e a confraternização dos 30 autores – que estão espalhados por todo o Brasil – com seus leitores. A reunião de entusiastas em prol desta causa, aliás, foi uma característica que marcou todo o processo de produção do livro. A publicação não apenas foi escrita coletivamente como foi custeada por meio do financiamento colaborativo, obtido pelo site catarse.me. Além disso, a capa do livro também foi escolhida em um concurso organizado na internet.
O lançamento em Belo Horizonte acontecerá no dia 24 de setembro, sábado, das 11h às 13h, no Café Com Letras (Rua Antônio de Albuquerque, 781, Savassi - Belo Horizonte), com a presença dos autores Eduardo Loureiro Jr., Felipe Peixoto Braga Netto, Fernanda Pinho e Paula Pimenta (autora da série “Fazendo Meu Filme”).
Posteriormente, o livro será lançado em São Paulo (08/10), Rio de Janeiro (22/10), Brasília (03/11) e Fortaleza (17/11). 



Estarei nos lançamentos de BH e São Paulo. Espero vocês, gente!

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

No Buraco, de Tony Bellotto



Publicado em Setembro do ano passado, No Buraco, o último romance do músico e escritor Tony Bellotto relata a história de um guitarrista de uma banda de rock dos anos 80 que só conseguiu emplacar um único sucesso. Quem narra sua história, é o próprio guitarrista, Teo Zanquis, divertido e frustrado. E, com isso, o guitarrista dos Titãs consegue despertar no leitor a curiosidade sobre o que pode ou não fazer parte também da sua história. Isto é, será tudo mera ficção? A dúvida tortura fãs, o enredo seduz todo leitor que se interesse por aventuras, reflexões e até mesmo um pouco de mistério.

O livro fez com que eu entrasse em crise. Envolver um leitor a esse ponto talvez seja o maior anseio de um escritor e também, vale dizer, sua maior dificuldade. Fácil é produzir algo que alguém simplesmente goste ou não, entretanto, algo que fique martelando lá dentro quando tudo acaba, acredito que seja um pouco mais complicado. Isso prova o quanto Bellotto cresceu no decorrer de suas obras, explorando, cada vez mais, o íntimo de seus personagens e fazendo com que nós, leitores, nos interessemos por eles da mesma forma, ou até mais (e esse é meu caso) que pelo desenrolar da trama em si. 

No Buraco é, em minha opinião, uma grande interpretação de um ditado que me incomoda muito, “nadou, nadou e morreu na praia”. Teo Zanquis parece ter tentado de tudo e fracassado em tudo. Embora seja uma ótima companhia e, aparentemente, excelente com as mulheres, é um sujeito que não só se considera um músico decadente ( e é), mas transformou seu espírito nisso quando, até certo ponto de sua vida, era o contrário. Talvez porque agora ele tenha tempo para pensar, e refletir demais é mesmo angustiante. Por conhecer muito bem alguém extremamente parecido com Zanquis, me identifiquei facilmente e talvez isso tenha contribuído o bastante para a minha avaliação de No Buraco, confesso.

A narrativa apurada, sedutora e bem humorada de Tony Bellotto torna a leitura leve e gera em nós, leitores e leitoras, uma ânsia por terminá-la, consumi-la, o quanto antes. No entanto, não é este o ponto culminante de No Buraco, mas a maneira como Tony aborda a concepção do tempo em cada momento da vida de seu personagem que ora parece julgar tê-lo de sobra, acreditando poder fazer tudo e mais um pouco, e ora se vê lutando contra o tempo. O modo como Zanquis se confronta com o tempo é absolutamente realista e, por isso mesmo, interessante. E foi, sem dúvidas, a principal razão da minha crise existencial pós-leitura. E é por todas essas razões que indico a leitura de No Buraco, um romance divertido e ao mesmo tempo intrigante.

ps: essa resenha foi publicada inicialmente no blog Entretenimente !

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Garotos Incríveis, de Michael Chabon




"Os escritores, diferentemente da maioria das pessoas, contam suas melhores mentiras quando estão sozinhos"


Às vezes tenho a impressão que existem mais livros sobre escritores e seu ofício do que sobre qualquer outro tema. Em apenas uma olhada rápida pra uma das prateleiras de livros da minha estante, identifico três: "Pergunte ao Pó", de John Fante, "Budapeste", de Chico Buarque e "Garotos Incríveis", de Michael Chabon. E se olhasse mais atentamente ou parasse pra pensar por dois minutos, a lista aumentaria exponencialmente.

Mas vamos aqui falar um pouco do último dessa categoria que conseguiu lugar na minha estante. Comprei num sebo, motivada pelo autor, de quem já ouvira falar tão bem. Acho que "Garotos Incríveis" (no original "Wonder Boys", o Wonder aqui sendo sobrenome não adjetivo como na versão brasileira, ou melhor, no inglês existe essa dualidade que se perde no português) vem a ser, creio, um dos romances mais reconhecidos de Chabon, então, seria uma boa maneira de começar.

Wonder Boys, no livro, é o título do romance inacabado do protagonista, o professor universitário Grady Tripp. O protagonista também é o narrador, o que faz que a gente mergulhe na mente de um escritor em volta da conclusão de seu livro, de mais um casamento fracassado, de seus vícios, do seu editor, de seus alunos e de todos seus outros tormentos. E mergulhar na mente de alguém, ainda mais da de um escritor, pode ser confuso e diluído, mas ao mesmo tempo interessante e reflexivo.

A ação do livro se passa em dois dias. Somos guiados pela mente de Tripp até o fim daquela jornada e, por vezes, nos vemos mais energéticos, envolvidos e instigados, e em outras, mais letárgicos, distantes e entediados.


O livro virou filme, estrelado por Michael Douglas e com Bob Dylan na trilha sonora. As sensações que o filme desperta são as mesmas do livro, sendo que no último, como costuma ser, é tudo mais detalhado. Na minha opinião, o que valeu a leitura e o filme foram os momentos sobre literatura.

Uma das partes mais interessantes do livro é quando Grady Tripp nos explica o que ele chama de doença da meia-noite que ataca os escritores, fazendo um paralelo entre eles e os insones. Eu como insone profissional e escritora amadora, me identifiquei total. Fiquem com as palavras de Tripp sobre o assunto:

"A doença da meia-noite é uma espécie de insônia emocional; a cada momento consciente sua vítima - mesmo se escreve de manhã ou no meio da tarde - sente-se uma pessoa deitada num quarto sufocante, com a janela aberta, olhando para um céu cheio de estrelas e aviões, ouvindo a narrativa de uma persiana barulhenta, uma ambulância, uma mosca presa numa garrafa de Coca, enquanto ao redor os vizinhos dormem a sono solto. Na minha opinião é por isso que os escritores - como os insones - são tão propensos a acidentes, tão obcecados com cálculo do azar e das oportunidades perdidas, tão dado à ruminação e à incapacidade de abandonar um assunto, mesmo quando lhe pedem repetidamente para fazê-lo"


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Um Dia, de David Nicholls


"Preciso falar com alguém. Alguém, não. Você".


Quem me indicou o livro "Um Dia" foi a Sam. Pra variar. Ela sempre me indica bons livros. A indicação já veio junto com o trailer do filme, que ainda será lançado. Pelo trailer, me pareceu apenas mais uma comédia romântica. O que não é um demérito. Adoro comédias românticas. Pela sinopse, me pareceu apenas mais um livro de chick lit. O que também não julguei ruim. Adoro chik lit.

Comprei o livro e, de cara, fiquei assustada com a quantidade de elogios em fontes cavalares nas primeiras páginas. Aqueles exageros do tipo "Um livro brilhante!", "Fabuloso!" e "Incrivelmente emocionante".

Mas já nos primeiros capítulos, comecei a suspeitar de que, talvez, naquele caso, os comentários não fossem tão exagerados assim. E de que, quem sabe, não fosse só mais uma comédia romântica ou literatura de mulherzinha. Mesmo porque, "Um Dia" foi escrito por um homem. O inglês David Nicholls, que está ficando reconhecido agora, graças a esse romance.

Não por um acaso. Em "Um Dia", Nicholls apresenta uma narrativa impecável, em terceira pessoa, o que, particularmente, julgo muito mais difícil do que escrever em primeira pessoa. Os diálogos são ágeis e amadurecem junto com os personagens. Mas não é sobre isso o que eu queria falar, na verdade. Não sou crítica literária e acho meio arrogante falar em "narrativa impecável" e "diálogos ágeis".

Mesmo porque, o que me tocou não foi o estilo do autor, mas a história. A história de Dexter e Emma. Dois amigos que se conheceram no dia 15 de julho de 1988, data em que terminaram a faculdade. Este é o primeiro capítulo do livro. O segundo, já revela como e onde estavam Dexter e Emma no dia 15 de julho de 1989. E assim, sucessivamente, por todos os 15 de julho, até 2007.

Me emocionei porque sou obcecada por datas e fiquei fascinada por essa ideia. E também pelo principal motivo que nos leva a nos emocionar com um livro: identificação. Me identifiquei muito com as alegrias e frustrações dos personagens, especialmente quando eles estão vivendo seus trinta e poucos anos (embora eu tenha 27). Me identifiquei com a visão que Emma tem da vida. E com a capacidade de Dexter de estragar tudo. E me identifiquei, sobretudo, com os encontros e desencontros que conduzem toda a história e, ao que tudo indica, minha vida também.

O livro intensificou em mim a sensação de angústia que me bate, às vezes, por acreditar que estou perdendo tempo com bobagens, deduzindo erradamente coisas que as pessoas estão pensando/sentindo ou esperando algum acontecimento milagroso que nunca vai acontecer.

Fiquei com uma vontade danada de parar de me desencontrar. Li as últimas páginas aos prantos e chorei mais uns litrinhos ao rever o trailer com o livro já lido. De fato, "Um livro brilhante!", "Fabuloso!" e "Incrivelmente emocionante". Como todas as histórias de amor e amizade devem ser.


sábado, 20 de agosto de 2011

Harry Potter, de J.K. Rowling




"-Ele será famoso. Toda criança do nosso mundo saberá seu nome"
(Minerva McGonagall em Harry Potter e A Pedra Filosofal, de J.K. Rowlling)

Professora McGonagall diz isso já nas primeiras páginas do livro inicial da série mais famosa da atualidade. Ela se referia ao, ainda bebê, Harry James Potter (ou Harry Tiago Potter em versão nacional). O mundo a que ela se referia era o dos bruxos, mas nós trouxas não passamos alheios, pelo contrário, tivemos o prazer de adentrar nesse universo fantástico criado por uma ex-professora britânica.

J.K Rowling, reza a lenda, criou esse mundo mágico em uma viagem de trem. De certo, naquele momento ocioso e tedioso que nos encontramos a mercê de um meio de transporte e que nos leva a recorrer à imaginação para passar o tempo. Como acontece com muitos de nós, a ideia veio, só que ela não tinha caneta e papel a vista, mas, ainda bem, ela conseguiu guardar o essencial daquela viagem inspiradora que veio a resultar em personagens carismáticos e enredos inventivos, garantido sete livros e muita diversão e emoção para crianças, jovens e adultos.

Enquanto Rowlling, em meados dos anos 90, tentava não deixar esvair essas ideias que borbulhavam em sua mente, ela não imaginava que Harry Potter viraria um fenômeno antes do final daquela década. Harry e seus fãs (no original: Harry, a History) tenta dar conta desse fenômeno na visão de uma fã. É um livro com linguagem simples e de narrativa pessoal. Praticamente a jornada de fã da própria autora (Melissa Anelli), semelhante à de milhões de outros, permeada por passagens que narram a trajetória de sucesso da série de J.K. Rolling.

Foi lendo esse livro, um tanto quanto insosso, embora bastante interessante e emocionante em alguns momentos, que me deu vontade de falar sobre Harry Potter, uma série que só comecei a ler depois até de ter deixado a adolescência. É uma bobagem esse preconceito que se tem com os livros de Harry Potter, ainda bem que não me deixei levar por ele e aceitei a sugestão de um amigo da faculdade há uns 5, 6 anos. Esse preconceito é tanto que se teve que criar outras capas (essas pretas que ilustram o post) para que adultos não se sentisse acuados em suas leituras em ambientes públicos.

Lembro que li os quatro (ou seriam cinco? minha memória não é das melhores) livros já lançados em questão de semanas e, veja bem, não são livros curtos, principalmente a partir do quarto. E fiquei ávida pela conclusão.

"Eu tinha uma última pergunta a fazer: Desta vez o que ela espera que as pessoas levem consigo? Ela fez uma pausa, mas a resposta saiu rápido.
- Quando toda a agitação e a balbúrdia acabarem, e quando todos os comentários da imprensa se esgotarem, eu creio que o mundo afinal constatará que esse fenômeno foi gerado, em primeiro lugar, pelo fato de crianças adorarem um livro. Um livro foi para as livrarias e algumas pessoas o adoraram. Quando acabar todo confete e serpentina, isso é o que nos restará. 'E essa é a mais maravilhosa das ideias para um escritor.'"
(Melissa Anelli entrevistando J. K. Rowling em Harry e seus fãs)

Os dois primeiros livros, confesso, não achei essas coisas. Eram divertidos apenas. Embora já achasse genial a ideia de um mundo mágico paralelo ao nosso, cheio de termos, regras, objetos, comidas e lugares próprios e incrivelmente peculiares e curiosos. Uma sociedade alternativa, na qual trouxas, como eu, viviam a margem, sem nem desconfiarmos que nosso vizinho de 11 anos poderia estar recebendo cartas de uma escola de bruxaria. E como a escola Hogwarts era fascinante! Por tudo isso, entendia encanto que exercia sobre as crianças. Mas ainda não era o suficiente.

E aí veio o terceiro livro (O Prisioneiro de Azkaban) e tudo mudou, mesmo. Então o enredo não era tão simples assim, e tudo estava ligado, desde o começo! E um novo leque de personagens cativantes e histórias interessantes foi aberto. Queria saber onde isso ia parar, e queria saber mais sobre aquele universo e sobre aquelas pessoas. Não só referente ao plot central, ou seja, a luta de Harry contra Voldemort. Eu queria saber dos marotos, do atormentado e pacato Remo Lupin (meu personagem preferido), do irônico e enigmático Alvo Dumbledore, do sisudo Severo Snape, da trajetória de Tom Riddle até virar aquele que não deve ser nomeado e sobre as relações de amizade e lealdade tão latentes naquelas páginas. Queria saber também como funcionava esse Ministério da Magia, mais sobre a própria Hogwarts, sobre as criaturas mágicas, feitiços, porções e tudo mais a respeito do mundo bruxo. E tudo foi se aprofundando e ficando mais sombrio no decorrer dos demais livros, mas sem perder o ar mágico do princípio.

E como se os sete livros não fossem o bastante, existe uma série de outros livros sobre Harry Potter por aí, inclusive três escritos pela própria J.K Rowling, são eles: Animais Fantásticos e Onde Habitam, Quadribol Através Dos Séculos e Os Contos De Beedle, O Bardo. Todos eles existentes do mundo bruxo imaginado por Rowling e que demonstram o domínio que ela tem sobre sua criação e o quanto ainda pode explorá-la.

Daí tem os filmes. Sim, eles deixam muito de fora, mas são, em geral, ótimas adaptações. Cada ator realmente incorpora seu personagem, os cenários não poderiam ser mais fiéis ao meu imaginário e tornou tudo mais lúdico. Só tenho birra mesmo com sexto filme que não fez jus a um dos meus livros preferidos (O Enigma do Príncipe). No entanto, livros e filmes caminham em harmonia, algo a se comemorar e destacar, visto tantas adaptações chinfrins de ótimos livros que existem por aí.

Nem sou desses fãs mais aficionados que sabem tudo sobre tudo que envolve Harry Potter, participam de fóruns, se fantasiam, jogam RPG, criam fanfics, escutam ou fazem parte de bandas de wizard rock (sim, sim), enfim, expandem esse universo já tão vasto. Li os livros, vi os filmes, nada muito mais que isso, mas foi uma ótima e encantada jornada. Tanto que recomendo e defendo a série de detratores que, possivelmente, nunca leram um livro sequer da saga. Esses trouxas!

"- Me diga uma última coisa - disse Harry - Isso é real? Ou esteve acontecendo apenas em minha mente?
Dumbledore lhe deu um grande sorriso, e sua voz pareceu alta e forte aos ouvidos de Harry, embora a névoa clara estivesse baixando e ocultando seu vulto.
- Claro que está acontecendo em sua mente, Harry, mas por que isso significaria que não é real?"
(Harry Potter e As Relíquias da Morte, de J.K. Rowlling)


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

2666, de Roberto Bolaño


“Ler é como pensar, como rezar, como conversar com um amigo, como expor suas ideias, como ouvir as ideias dos outros, como ouvir música (sim, sim), como contemplar uma paisagem, como dar um passeio pela praia”

Roberto Bolaño queria que fossem cinco livros, acabou sendo um livro dividido em cinco partes, totalizando 850 páginas na sua versão brasileira. Talvez ainda poucas por tudo que a obra propõe e nos apresenta (há quem diga que realmente é uma obra inacabada, já que póstuma).

Tem crimes, cidades, amores, assassinatos, assassinadas, assassinos, policiais, videntes, jornalistas, escritores, críticos, editores, leitores, livros, detetives, políticos, guerras, loucura e inocência. Fala do passado, da segunda guerra mundial na Alemanha, dos anos 90 numa cidade do México (e um pouco antes e um pouco depois), nos anos 2000 pela Europa, no entanto, é de uma brutalidade contemporânea, e seu título aponta para uma data futura. Mas, no final das contas, creio eu, seja, acima de tudo, sobre literatura. Talvez, violência e literatura. Uma devoção pelos livros e um detalhamento de crimes, guiados pela busca por um autor recluso e por relatos de assassinatos de mulheres.

“A leitura é prazer e alegria de estar vivo ou tristeza de estar vivo, e, sobretudo, é conhecimento de perguntas. A escrita, em compensação, costuma ser vazio”

É um tipo de livro que marca, que impregna. Tanto que até hoje, meses depois da leitura, volta e meia me pego pensando em suas passagens. Não se passa ileso por 2666, ainda mais se você for dado a amar livros. Foi exatamente as partes que a literatura era protagonista ou uma figurante de luxo que mais me agradavam. Não que o peso dos crimes não tenham também deixado suas marcas. É essa capacidade de caminhar por assuntos diferentes, às vezes dispares, às vezes complementares, que torna o livro tão ímpar. Passei o parágrafo anterior tentando enquadrá-lo numa sinopse em vão, não cabe. Ele é um livro vivo, em constante movimento. Tenho a impressão que 2666 é um desses casos de livro pra ser sentido mais do que definido.

Numa determinada parte do livro, um personagem diz que escrever é inútil, que só vale a pena se o escritor estiver disposto a escrever uma obra prima. Ainda bem que Bolaño estava.

O Encontro Marcado, de Fernando Sabino



Algum escritor, em alguma palestra, se referiu ao livro O Encontro Marcado de Fernando Sabino, seu favorito, como uma obra daquelas que vai fundo, como se revirasse o lixo e encontrasse ali algo que possa, assim, ser transformado. A descrição foi boa o suficiente para fazer com que eu a ficasse martelando até comprar e, finalmente, ler o livro.

Enquanto lia, pensava: não é um livro para ficar na minha estante, deve ser passado a alguém. Não porque pensei em me desfazer da obra, mas porque julguei necessário que alguém tivesse contato com aquilo. Nunca havia lido nada do Sabino, não tinha ideia de como era sua escrita e se seu estilo me agradaria. Não só me agradou como me encantou. E agora posso concordar com as palavras do tal escritor, que o definiu muito bem.

Falando em escritor, O Encontro Marcado relata a história de Eduardo, um mineiro nascido numa família humilde e amável; nervoso quando pequeno, intelectual e boêmio quando adolescente e em crise quando adulto. Queria ser escritor, mas isso já era. Queria era escrever um romance e ai: “sou escritor”, “não sou escritor coisa nenhuma”, “vou escrever um romance”, “o que vou escrever?”, “está ruim” . O personagem mergulha em crises ditas profissionais que, no entanto, retratam perfeitamente sua personalidade e a certeza de que (por favor, que isso não pareça auto-ajuda) as oportunidades voam e a vida também.

O Encontro Marcado é simples, não traz a promessa de ser uma estória revolucionária e não o é. Entretanto, é belo. Uma leitura que faz com que você a questione e se questione durante e depois. Um livro que, sem dúvidas, já virou o meu de cabeceira.

Indico a leitura a todos que desejam se encontrar e também aos que gostam de se deparar com uma escrita rica e absolutamente apurada, aliás, Sabino consegue ser muito preciso sem delongas. É tudo muito rápido, objetivo e, repito, bonito.

Borralheiro, de Carpinejar


“Só é natural quem não ama. Somos despojados quando não temos interesse. Atuamos por comandos: sim, não, e deu. Nenhum desespero, nenhuma miséria no abraço, nenhuma insistência”, Carpinejar, em Borralheiro


Comprei o livro "Borralheiro", do Fabrício Carpinejar, no mesmo dia em que estive com ele pessoalmente, pela primeira vez. Ele veio a Belo Horizonte participar do projeto Sempre Um Papo. Já havia sido avisada por algumas amigas sobre sua figura teatral, mas não achei que fosse tanto. Chegou com as unhas pintadas, com seus tradicionais óculos estilo-abelha, e a cabeça raspada com a inscrição UAI, uma doce homenagem a nós, mineiros. Diferentemente do que costuma acontecer, a mediadora mal fez perguntas. Apenas soltou o microfone nas mãos de Carpi (para os íntimos) e deixou que ele falasse. A partir dali, foram cerca de duas horas de uma apresentação que era quase como um show de comédia stand up (mas engraçado). 

As falas do escritor adiantavam as crônicas que leríamos no livro que ele estava ali para autografar, o "Borralheiro". Quem segue o Carpi no Twitter, como eu, também conseguiu identificar na sua apresentação a sagacidade das verdades rasgadas que ele dispara em pílulas na internet (e que, inclusive, já rendeu outro livro).

O próprio "Borralheiro" é perfeito para ser consumido assim, em doses homeopáticas, como pílulas. Como um bom livro de crônicas curtas, qualquer intervalo numa fila de banco é hora para sacar o livro e consumir um dos textos. Principalmente se você for homem.

Minha meta agora é essa: presentear a todos os homens possíveis com um exemplar de "Borralheiro". Carpinejar, gaúcho, desconstrói a imagem do machão-machista ao relatar "sua viagem pela casa". Para ele é tão natural relatar que gosta de organizar as coisas de sua mulher, tão natural dizer que a ama incondicionalmente, tão natural revelar suas fraquezas ou assumir que não tem vergonha de perguntar a ela coisas que ele ainda não sabe, que nem parece que ele é um exemplar da mesma espécie que, sequer, consegue pedir informação no trânsito.

Mais de uma vez, o escritor afirma que começou a escrever como uma alternativa de sedução, já que sempre foi muito feio. Deu certo. As palavras de Carpinejar são apaixonantes e não nos deixa dúvidas de que estamos diante de um príncipe. O livro chama-se "Borralheiro", mas "Cinderelo" também seria apropriado. 

 Desafio: alguém consegue traduzir a dedicatória de Carpinejar no meu exemplar?

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Post inaugural!

Somos três amigas que, entre outras coisas, partilham a paixão por literatura. Diante da nossa carência por um blog de resenhas e críticas lietrárias com o qual nos identificássemos, decidimos, nós mesmas, criar este blog. Pretendemos partilhar aqui nossas impressões sobre os livros que lemos, além de outras novidades do mundo literário.

Esperamos que gostem tanto quanto estamos gostando de fazê-lo.

Sejam bem-vindos!