domingo, 1 de abril de 2012

Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke




”Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever? Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples "Preciso", então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso”(Rilke)


Não tenho ideia de quantos são aqueles que desejam ser escritores, mas faço parte do grupo. Pretendo escrever romances, ou melhor, quero conseguir, um dia, terminar um dos tantos que iniciei. 

Quanto mais lemos sobre o assunto, quanto mais nos deparamos com a boa literatura, maior é a crise que acredito que deva atormentar a maioria dos que sonham ser escritores. E acontece dessa forma porque assumimos a responsabilidade de sermos bons e tememos o fracasso, dois conceitos que chegam a nós prontos, quando deveriam surgir do nosso interior.

Franz Kappus, um jovem que desejava tornar-se poeta, resolveu, por meio de cartas, pedir conselhos ao poeta Rilke, que os concede com muita sinceridade. Kappus nos presenteou ao resolver publicar sábios conselhos expressados em belíssimas palavras.

Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke é a resposta singela e profunda sobre a crise de quem almeja escrever. É um olhar atento, experiente e sensível sobre a vida, a morte e todos os grandes sentimentos que fazem parte do intervalo entre ambas. É uma crítica a crítica. Um exame de consciência. Uma explicação para a tristeza, um brinde a solidão. É um "manual" para os que aspiram escrever e, sobretudo, para quem deseja, mas não consegue sentir a vida.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Millennium I - Os homens que não amavam as mulheres, de Stieg Larsson



Millennium I – Os homens que não amavam as mulheres é o primeiro livro da trilogia Millennium, de Stieg Larsson.  O título pode levar você a crer que se trata de um água com açúcar para o público feminino. No entanto, é um livro sobre violência. Sobre as sujeiras do mundo econômico. É um livro sobre vingança e/ou justiça. Sobre mistério e investigação. Doença, natureza e sociedade. E, com tudo isso, um livro impossível de ser abandonado antes do término, considerando o teor agradável da leitura.

Henrik Vanger contrata o simpático jornalista Mikael Blomkvist para desvendar o assassino de sua sobrinha Harriet Vanger que, vale enfatizar, só poderia ser alguém da família. A principio, é um romance policial sobre um crime de família. No entanto, Larsson desenvolve a história numa escrita leve e absolutamente sedutora que nos enlaça do início ao fim, não permitindo nenhuma distração e, melhor, deixando o leitor cada vez mais ansioso pela solução dos numerosos mistérios que envolvem o principal, o que, somado às situações que chocam, constrangem, divertem, irritam, nos fazem vibrar, dá consistência ao que poderia ser um mero suspense.

A ágil história é conduzida por personagens autênticos e agradáveis. Lisbeth Salander, a minha favorita, surge no romance como na vida dos outros personagens, parecendo não lá muito importante e, de repente, revela uma eficiência aqui, uma qualidade ali, força, fragilidade, inteligência e, pronto, nos cativa. Mikael é a boa e divertida companhia de que precisamos. Henrik, um doce. Há, certamente, os repugnantes, os estranhos e aqueles que a gente não consegue compreender. Cada personagem com sua particularidade cuidadosamente construída, com seus defeitos humanamente compreensíveis, com atitudes socialmente (in)aceitáveis.

Os homens que não amavam as mulheres é bem amarrado, valoriza os detalhes, tornando a investigação atenta e inteligente. Sem nenhuma falha (pelo menos que eu tenha conseguido identificar) nas pistas e nos fatos, nos surpreende constantemente sem que para isso precise nos subestimar.

No ônibus, no trabalho, antes de dormir. 522 páginas que não pesam, que não exigem um ambiente propício para serem lidas, que se adéquam a qualquer situação. 522 facilmente devoradas por qualquer leitor que seja munido de um pouco de curiosidade. 522 que merecem estar entre as mais vendidas. 

Ps: Depois da leitura, não deixe de apreciar o filme do renomado David Fincher:


sábado, 10 de março de 2012

Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf


"Sempre sentira que era muito, muito perigoso viver, por um só dia que fosse"

Anos 20, pós-primeira guerra mundial, um dia em Londres. Um dia quase banal se não fosse pela festa que Clarissa Dalloway tinha que organizar. Mas há mesmo na vida um dia banal quando nossos pensamentos nos levam a todo lugar, do inferno ao céu em segundos? Assim o livro nos conduz, passando de uma mente a outra, entrando no íntimo dos personagens através de seus pensamentos e anseios. E não há nada mais pessoal, revelador e solitário do que isso.

Acompanhamos os personagens, andando por Londres e moldando a vida da Mrs. Dalloway do título, inclusive pela própria. É um rascunho de uma época e uma obra prima de um ser humano. "Não desejava morrer, a vida era boa, o sol aquecia, se não fosse os seres humanos...". Sem dúvida Mrs Dalloway era muito mais do que uma anfitriã e, sem dúvida, um dia pode ser uma vida.

E acho que essa minha vontade de ser sucinta e fazer poesia em uma resenha vem da tradução do livro a cargo de Mario Quintana.

"Este é um privilégio da solidão: pode a gente fazer o que bem nos parece. Pode-se até chorar, se ninguém está olhando"

sexta-feira, 2 de março de 2012

Por favor, Cuide da Mamãe, de Kyung-sook Shin

"Ame, enquanto puder amar" (Franz Liszt)

Ninguém havia recomendado, sequer tinha ouvido falar do livro. Também não conhecia a autora, nem nunca tinha lido algum livro coreano. Foi título que me saltou os olhos e, sem titubear, firmei compromisso de leitura. Foi um tiro no escuro, mas atingiu ao alvo.

Pelo pouco que sei, Kyung-sook Shin já escreveu vários livros, é aclamada na Coréia do Sul e Por Favor, Cuide da Mamãe vendeu mais 1,5 milhões de cópias pelo mundo. Esse também é o primeiro (e até agora único) livro dela publicado no Brasil.

O livro é sobre a busca por uma senhora de 69 anos, mãe de cinco filhos já adultos que desaparece no metrô de Seul. Mas não é simplesmente sobre o enigma de seu sumiço, é sobre como seus parentes se dão conta que já a haviam perdido há muito tempo. É sobre o sacrifício, amor e dedicação incondicional de uma mulher aos filhos. É sobre o remorso. É sobre sentimentos conflitantes. É sobre o ser humano. É sobre família e suas complexidades emocionais.

Tendo foco nos pontos de vista de uma filha, de um filho, do marido e da própria desaparecida, o livro é de uma riqueza lírica perturbadora. Tão melancólico e real que dói, mas também ensina. Mesmo sem apelar, sempre sutil e verossímil (muito verossímil), o livro é de uma carga emocional forte. É possível sentir cada palavra, por isso, devastado, no final das contas, o leitor não quer saber o que aconteceu com Mamãe ou onde ela estar, mas sim como se sente. E, se possível, atender ao pedido do título e cuidar de mamãe.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

A Estrela Mais Brilhante do Céu, de Marian Keyes


"E um dia todos nós vamos estar mortos e nada disso vai ter a menor importância"

Estava pegando alguns livros emprestados com uma amiga e pedi a ela um cuja leitura fosse me deixar feliz. Ela ofereceu A Estrela Mais Brilhante do Céu com ressalvas. Afinal, tanto eu quanto ela sabemos que Marian Keyes tem a tendência de ir fundo em assuntos pesados que poderia deixar qualquer um depressivo, mas, por outro lado, também nos oferece uma espécie de compreensão e redenção. Como se um livro fosse capaz de ter empatia por alguém, oferecer um ombro, algo assim. E gosto de atitudes do tipo, pois quando alguém está passando por certos momentos o que mais se quer é ser compreendido e acolhido. E livros podem fazer isso? Certamente melhor do que algumas pessoas.

Chick Lit é como se chama o gênero literário voltado, dizem, para mulheres. São as comédias românticas da literatura por assim dizer. Mas, além do fato de geralmente vir com uma roupagem de preconceito, o termo é meio limitador. Como em todo gênero literário, nesse também existem bons e maus livros, bons e maus escritores. Marian Keyes fica no primeiro grupo.

Se você não está familiarizado com o estilo da escritora, resumidamente, como a própria diz, ela costuma escrever comédia sobre algo sério. Existem os livros dela que são mais, digamos, "mulherzinha", nessa leva temos: Melância, Casório?! e Los Angeles, e, mesmo assim, ainda caminham por temas espinhentos. Por que não há nada leve em traição, separação e depressão pós-parto, certo? Mas existem também ( e esses são os meus preferidos) os mais sombrios, que falam de assuntos como drogas, violência sexual, depressão, morte. Dessa leva, destaco Férias! (um mergulho e um retorno do fundo do poço de um vício), Tem Alguém Aí? (uma sensível história sobre o luto) e o próprio A Estrela Mais Brilhante do Céu.

O livro tem um narrador intrigante que, na sua misteriosa missão, nos leva a conhecer os moradores de um prédio em Dublin, mas especificamente na Star Streat, 66. Quatro andares. No primeiro, o casal Matt e Maeve, simpáticos e apaixonados, mas algo está errado naquela harmonia de corações. No segundo, Jemima, uma senhora marcada pela vida em seus mais de 80 anos, e seu cachorro, chamado Rancor, irão receber a visita do bonito, mas perdido Fionn, filho adotivo de Jemima. No terceiro, a jovem batalhadora, destemida e rude Lydia divide o apartamento com Jan e Andrei, poloneses musculosos, sensíveis e com saudades de casa. No quarto e último andar, a sensata Katie vive sozinha e acaba de completar 40 anos. Em comum? Eu diria que eles estão, no mínimo, insatisfeitos. Alguns realmente depressivos. Tristes com a vida que levam, com todo peso do passado, presente e futuro que têm sob si. Menos Jemima que parece ser mais resignada. Mas alguns deles estão tão insatisfeitos com a vida que sentem alivio em arriscá-la em sinais de transito ou ficam imaginando quantos bolos de chocolate alguém tem que comer para morrer.

Acompanhar a jornada desses personagens nos oferece passagens ora sufocantes, ora divertidas. Um dos livros mais densos de Keyes, sem dúvidas, que mostra maturidade, sem perder a leveza da juventude.

Na contracapa de A Estrela... a autora alerta que é impossível escolher seu livro preferido, seria como uma mãe ter que escolher entre um de seus filhos, no entanto, revela que este era o seu preferido. Eu sei, o nome não ajuda, a capa também não passa lá muita credibilidade, fica difícil o levar a sério e nem sei se é essa a intenção, mas não vá lê-lo achando que é mais uma história bobinha para menininhas, muito menos achando que será o próximo ganhador do prêmio Nobel. Vá sem expectativa, afinal, "um dia todos nós vamos estar mortos e nada disso vai ter a menor importância". Mas se eu fosse você, leria mesmo assim.


quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Mulher Perdigueira, de Fabrício Carpinejar



“No amor, em algum momento, você terá que ser ingênuo 
e acreditar. Terá que largar uma vida, refazer sua vida. Terá 
que abandonar a filosofia pessimista,a inteligência solteira do
botequim e se declarar apaixonado.  Terá que ser incoerente, 
contradizer fundamentos inegociáveis. Terá que rasgar a
certidão negativa, a proteção bancária,
os manifestos de aversão ao casamento e filhos.” 
Carpinejar


Num relacionamento amoroso, a mulher não pode bancar a controladora, ciumenta e escandalosa, não pode ligar o tempo todo, escancarar a paixão, afinal, homens não gostam disso. Opa! Cuidado com as generalizações, Fabrício Carpinejar declara: “Quero uma mulher segurando meus dois pés. Segurar os dois pés é carregar no colo”. Ele gosta justamente do tipo de mulher que a sociedade reprova, ou melhor, ele gosta de mulher de verdade, aquela que é emoção não reprimida pela razão. Mas não se trata de uma mera preferência, é defesa que explica, justifica. É crítica aos amigos e demais homens que clamam por liberdade. É uma obra literária.

Mulher Perdigueira é um livro que reúne crônicas que versam não só sobre a paixão de Carpinejar à mulher que envergonha boa parte da sociedade, como também sobre as situações comuns que ocorrem nos relacionamentos, no jogo da convivência, na sua vida. Talvez por ser poeta, transforma o simples em encantador ou, se preferirem, aponta o encanto do simples, do pequeno, do corriqueiro.

Romântico e cuidadoso na escolha das palavras, Carpinejar nos envolve numa leitura prazerosa. Provocador, nos leva a questionar nossas convicções, a concordar, discordar, duvidar, criar certezas, pensar. Uma leitura que nos provoca é sempre válida.

Indiscreto, abre o livro e, com isso, nos engole num golpe de intimidade. E, então, o leitor se sente em casa. Fica a ligeira sensação de que descobrimos muito sobre o mundo masculino, pelo menos o de um gay heterossexual chamado Carpinejar. Aos homens curiosos por entender nosso universo, muitas constatações sobre a mente e o comportamento feminino. Fica a descoberta de que a dinâmica dos relacionamentos varia muito pouco, mas que, ao mesmo tempo, não se sustenta com receitas. Fica uma lição que vale para qualquer relacionamento: “a dor não pede compreensão, pede respeito.”

Mulher Perdigueira, publicado em 2010, é a dica de leitura para quem quer iniciar 2012 se deparando com uma escrita apaixonada e divertida sobre aquele assunto que interessa a todo ser humano saudável. Olha eu cometendo o erro da generalização novamente...