"Nessa quinta-feira vesti a camisa preta, não para desafiar olhares curiosos,
mas para recordar que nunca é possível extirpar o passado,
por mais que se queira; que ele permanece como uma queimadura antiga
a nos arder de vez em quando, e que é melhor viver com ele do que contra ele."
Guillermo Arriaga adora caçar. Adora também repetir e
evidenciar isso por aí. E eu adoro tirar conclusões precipitadas. Tal informação sobre o autor me fez deduzir
que a obra em questão era sobre caças e isso fez com que eu não me interessasse
pela leitura. Contudo, estava enganada. Trata-se de um mergulho no ser humano.
O Búfalo da Noite tem como protagonista um jovem suicida,
Gregório, que permanece mais vivo do que quando o era de fato na vida de seu
melhor amigo, Manuel, e de Tânia, namorada de ambos, embora oficialmente do
primeiro. O triângulo, como na maioria dos casos, acaba tomando proporções que
abalam o controle emocional dos personagens. Entretanto, o diferencial da obra está nos conflitos que começam
após o suicídio de Gregório, ou seja, quando teoricamente tudo deveria estar
resolvido e com direito a um final feliz.
Carregado de sentimentos e atitudes intensas e extremamente
íntimas, o livro não possui uma narrativa arrastada – característica de muitas
obras que se dedicam ao ser humano e suas loucuras -. Pelo contrário, é ágil,
nos amarra através da curiosidade que é despertada a cada instante. É
curiosamente profundo e, por vezes, incômodo e reflexivo.
Arriaga possui um estilo de contar histórias que é de forma
não-linear, o que me agrada muito, pois ficamos sempre tentados a entender o
que a princípio parece caótico, inexplicável. O antes e o depois se confundem,
levando-nos a compreender a trama sem a certeza de que realmente estamos
compreendendo-a, o que julgo apaixonante num autor. Trabalhos como os roteiros da trilogia
cinematográfica Amores Brutos, 21 Gramas, Babel; Os três enterros de Melquiades Estrada ou o livro Um doce Aroma de Morte são grandes
exemplos -embora eu não goste muito de Babel. Não sabemos o que ele nos reserva para o final e se reserva alguma
surpresa, porque a questão está sempre ali, no dia a dia, nas atitudes que
imploram para serem revistas quando já não se pode alterar o curso das coisas.
O Búfalo da Noite contém todas essas características. Entendemos os acontecimentos gradativamente, por meio de flashbacks e, ao mesmo tempo, surgem
outras dúvidas acerca da história e também da vida em si.
É um livro que nos mostra o quanto é tênue a linha que
separa a lucidez da loucura, o quanto estamos próximos da segunda e podemos ser
seduzidos, envolvidos por ela. É sobre a dimensão, intensidade e incompreensão
da morte, dos relacionamentos, moral e sentimentos que o envolvem. É o tipo de
livro que após ser lido, gosta de revisitar nossos pensamentos mais algumas
vezes.
3 comentários:
Fiquei ainda mais interessada, parece uma grande e tocante história e eu já adoro o trabalho dele como roteirista.
Então se você gosta, dificilmente não vai se envolver Sam! beijo
Engraçado que quando você comentou do livro com a gente, eu não associei o nome ao autor. Agora fiquei mais interessada ainda pela história que vc descreveu e porque estou interessada em ler livros que originalmente tenham sido escritos em espanhol. Muito bom, Lah!
Postar um comentário